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Urbanidade [2] de 08/10 a 11/12/2016

SOBRE A PROPOSTA (Por Any)

A partir do tema Subterrâneos, sugerido pela curadoria na sua possibilidade mais plurissignificativa através de sentidos como o de “Caverna”, “furna”, “gruta”, “passagem”, “galeria”, “subtérreo”, “clandestino”, “furtivo”, “escondido”, “ilegítimo”, “ilegal”, “ilícito”, “underground”, ”insurgente”, ”profundidade”... desafiamos os artistas a expressar na forma de suas obras “aquilo que se apresenta por baixo da camada vista”.

O conjunto de obras apresentadas, mais do que fazer emergir o submerso e o subterrâneo, instaura narrativas que subvertem a linearidade e a ordem e colocam em evidencia o invisível, o indizível, o impossível. Assim, novos campos de reflexão são inaugurados: o invisível torna-se protagonista, o fugidio vira fixo, o instante é eterno e vivencia-se a própria cegueira pelo desconhecido até então: uma contrapartida mais complexa e menos romantizada das coisas mundanas na forma de arte rouba a cena e assume novas trajetórias no conhecido.

Na sua segunda edição, o evento “Urbanidade [2] – Subterrâneos” consolida-se na sua natureza agregadora, pois através da ampliação da equipe curatorial e da experimentação de uma convocatória mista (por edital e por convite), permitiu ampliar o estabelecimento de diálogos, atravessamentos e relações entre artistas que talvez de outra forma não tivessem a oportunidade do encontro, seja por que estão em diversos momentos de suas carreiras, seja por que transitam por diferentes circuitos da arte, seja por que se formaram em distintos espaços da arte.

SOBRE O PROCESSO CURATORIAL (Por Rosa Bunchaft)

O que leva a uma experimentação conjunta curatorial uma artista e dois professores de arquitetura?

No início da década de 80, nas universidades brasileiras, havia um grande burburinho. O debate intelectual e político era belo, rico, diverso, intenso e necessário: lutava-se vivamente pela autonomia universitária, pela livre expressão e manifestação e para construir um legado democrático na produção do saber, do qual hoje todos nos beneficiamos, em maior ou menor medida, e que se encontra agora em risco. Eu era apenas uma adolescente magricela e bisonha. Provavelmente não testemunharia isto tão precocemente se meus pais não fossem justamente alguns dos novos docentes da UFBA que estavam retornando ao Brasil do exílio após o golpe militar de 1964. Era comum que as assembléias universitárias se estendessem noite adentro e então, como meus pais eram atuantes e morávamos longe, às vezes, ainda de uniforme, terminava os deveres num cantinho do auditório da Faculdade da Arquitetura. Lembro que me distraía deles com interesse crescente para acompanhar as discussões cada vez mais acaloradas: através delas eu tinha uma percepção muito particular sobre as circunstâncias que determinaram meu nascimento fora do Brasil, e assim, me sentia menos estrangeira. Eram fascinantes as controvérsias dos discursos em debate e os de Pasqualino Magnavita me impressionavam bastante: ele me parecia a figura mais próxima que já vira de um Dom Quixote e dos protagonistas dos romances de capa e espada.

O que leva o artista à experimentação de uma prática curatorial? O artista como curador talvez seja um aspecto pouco estudado das teorias curatoriais, apesar de não ser raro que artistas sintam o desejo de experimentar como possibilidade criativa o exercício da ''situação-exposição'': um desafio que nunca é trivial mas através do qual também é possível expressar algo daquilo que tem mais caro em seu coração. No meu caso, é sempre conflituoso interromper processos de criação autoral, mas foi impossível resistir à proposta da Profa Any Ivo de assumir pela primeira vez esse desafio, justamente neste momento político, numa co-curadoria de exposição com ela e o Prof. Pasqualino.

O reencontro com Pasqualino é uma oportunidade inesperada de estar com esse ser humano ímpar que lida de modo singular e cotidiano com o tempo, a esperança e a utopia e com o qual, mais de 30 anos depois, ainda aprendo tanto. O encontro com a Profa. Any é um privilégio, por que me coloca em contato, generosamente, com esses dois tesouros: Pasqualino e oseu lindo espaço público de cultura, e toda uma rica produção dos artistas que, num momento de desestruturação e descontinuidade do apoio à cultura na Bahia, ambos vem reunindo, de forma quase heróica, através da exposição Urbanidades.

Alguns destes artistas foram seus próprios estudantes de Arquitetura, estimulados por ela a expressar-se artisticamente em múltiplas linguagens e formatos a partir de provocações diversas sobre a cidade e suas mazelas e utilizando a leitura de textos preciosos como Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Por que? Para quê? O que pode ser o arquiteto como artista? Penso que um artista como os demais, e certamente um melhor e mais criativo arquiteto e urbanista, desde que cultive e preserve desejo e paixão de aprender, curiosidade, humildade, irreverência, inquietude, paciência, persistência.

Este ano, na segunda edição do Urbanidades, através do edital foi possível ampliar o grupo da edição anterior, que tive a sorte de visitar. Tenho ficado cada vez mais feliz com a descoberta destes artistas que surgem fora da casa onde me formei, que é a Escola de Belas Artes, e por isso analisando a diversidade, profundidade e qualidade artística das propostas inscritas no edital Urbanidades de 2016 pelos artistas, propus a Any e Pasqualino a possibilidade de reuni-los com outros pelas aproximações e trocas que poderiam surgir de lado a lado. Os convidados são artistas cuja produção conheço há mais tempo ou com mais profundidade, seja por que são da minha geração, seja por que acompanhei seu processo criativo na Escola de Belas Artes durante a graduação ou mestrado, ou ainda através de eventos do sistema alternativo ou convencional de arte da Bahia, do qual também participo intensamente.

Num momento político que infelizmente me lembra aquele que forçou minha família ao exílio, num momento em que assisto desolada à demonização do nosso ofício e do ensino da arte justamente por sua intrínseca natureza política, e ao desmonte da estrutura pública de apoio à cultura, me parece cada vez mais importante descer do pedestal, pensar fora da caixa, buscar alianças, parcerias, o resgate dos afetos antigos, a surpresa inesperada dos novos.

Ficha técnica

Realização: Mirante do Solar – Casa de Cultura e Ética

Curadoria: Pasqualino Magnavita, Rosa Bunchaft e Any Ivo

Expografia: Pasqualino Margnavita e Rosa Bunchaft

Produção executiva: Rosa Bunchaft e Any Ivo

Assistente de produção e expografia: Takeo Komorizono

Equipe de produção: Bela Amado, Bolival Cindo, Gabriela Rabelo, Letícia Grappi, Márcio O. Santana, Mirian Carvalho


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